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3 Perguntas a...

André Pacheco

Investigador Convidado, Universidade do Algarve

16.05.2023

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min. de leitura

1. O que representa este projeto para a região e como está a ser desenvolvido? 

A Culatra é uma pequena ilha, localizada na área protegida do Parque Natural da Ria Formosa, onde vivem cerca de 1000 habitantes permanentes. A pesca está na origem do Núcleo Piscatório da Ilha da Culatra. A visão do ‘Culatra 2030 – Comunidade Energética Sustentável’ é criar, na Vila de Pescadores da Culatra uma Comunidade de Energia Renovável através de uma intervenção integrada no modelo de gestão energética, gestão de resíduos, gestão da água e criação de novos mecanismos de Responsabilidade Social. Resultante de candidaturas no âmbito da iniciativa Culatra 2030, o núcleo habitacional da Culatra conta neste momento com cinco instalações fotovoltaicas localizadas em distintos pontos da rede de baixa tensão do núcleo totalizando cerca de 25% das necessidades energéticas da ilha, uma unidade de armazenamento de energia, um barco solar ao serviço dos ostricultores e um ponto de conexão à rede elétrica na zona dos apoios de pesca, permitindo a interação com a restante instalação fotovoltaica. 

 

2. O grande foco deste projeto é a criação de uma comunidade de energia renovável que vai permitir a criação de recursos financeiros, mas para a Ilha ser auto-sustentável é necessário desenvolver outras atividades sustentáveis como a economia circular, o fim do uso de plásticos e de outras matérias fósseis. Está a população empenhada nesta mudança de hábitos? 

Bastante empenhada. A criação de roteiros que coloquem em prática novos modelos socioeconómicos circulares podem contribuir para renovar as comunidades, reduzindo a sua dependência, criando fontes de rendimento alternativas. Por esse motivo, a chave do seu sucesso é a participação ativa de toda a comunidade da ilha. O Diagnóstico Participativo Comunitário inicial foi baseado em um processo participativo totalmente inclusivo, que reuniu entidades públicas, academia, empresas e comunidades. Após a fase inicial, foi implementado um novo sistema de governança para a exploração participativa dos caminhos de transição, apoiado por diferentes oportunidades de financiamento que são continuamente exploradas. Queremos provar que ao colocar a sustentabilidade como pilar do seu desenvolvimento sustentável, qualquer comunidade pode manter a sua identidade, mas, ao mesmo tempo, garantir a redução do seu impacto no ambiente, criando emprego e promovendo a coesão social. 

 

3. De que modo pode a Culatra servir de exemplo para outras comunidades e posicionar esta pequena Ilha de pescadores e mariscadores como um Pólo de investigação e formação em energias renováveis? 

O objetivo de capacitar a comunidade para se organizar numa Cooperativa para a Sustentabilidade da Ilha foi concretizado no final de 2022. A C-COOP – Cooperativa para a Sustentabilidade da Ilha da Culatra, capitalizará os resultados do Culatra 2030. Formada exclusivamente por Culatrenses, a C-COOP tem como objeto social todas as atividades socio-económicas da Culatra, governança, cultura, desporto, etc., de forma a alargar todos os vetores da sustentabilidade e preservar a identidade da ilha. O Projeto Piloto de Comunidade de Energia Renovável (CER) na Ilha da Culatra foi submetido à Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e aprovado em janeiro de 2023. O âmbito do projeto piloto inclui investigação e demonstração, permitindo promover a inovação no setor das energias renováveis, e é único na sua génese em Portugal. A CER da Ilha da Culatra permitirá suportar atividades de investigação que permitam: (1) implementar novas formas de gestão de consumo, que passem pela integração de sistemas de gestão de energia, e que permitam controlar o consumo de equipamentos dos membros da CER, integrando previsão de procura e de geração renováveis, tendo em consideração as limitações da rede elétrica existente; (2) implementar um modelo de economia participativa, que permita a distribuição de custos e proveitos da geração renovável, e que suporte o envolvimento da comunidade, o investimento em novos equipamentos e o seu funcionamento num horizonte temporário de décadas; (3) implementar um sistema inteligente de carregamento de barcos elétricos, capaz de controlar os carregamentos dos mesmo em função da geração, respeitando as preferências dos utilizadores e maximizando a energia autoconsumida. 

S

Sobre o entrevistado

Engenheiro Ambiental com doutoramento em Oceanografia Física e especializado na recolha e processamento de dados oceanográficos costeiros, com foco em hidrodinâmica, transporte de sedimentos e mudança batimétrica em escalas de tempo de horas a anos. Trabalhou em vários projetos com instituições nacionais e europeias, sendo responsável por organizar e realizar medições de alta frequência da interação corrente-onda. Atualmente com foco nas energias marinhas renováveis e nas comunidades de energia renovável nas ilhas. Em 2018 criou uma equipa multidisciplinar de investigação em energias marinhas renováveis (MORE) no CIMA/Universidade do Algarve. O projeto mais emblemático que coordena é o “Culatra 2030 – Comunidade de Energia Sustentável”, uma iniciativa apoiada pela Clean Energy for EU Islands da Comissão Europeia.
Publicou 34 artigos em revistas de revisão por pares e apresentou os trabalhos nas conferências internacionais mais conceituadas sobre processos costeiros e energia marinha. É avaliador da Comissão Europeia das bolsas Marie Currie Individual, RIA H2020 Earth Observation and Twinning, bem como do Programa Marinet2 H2020.

A ADENE é a agência nacional para a energia, com uma missão centrada nas pessoas e a ambição de reforçar o posicionamento de Portugal na descarbonização, é um parceiro ativo da transição energética, fortalecendo parcerias, dinamizando a política pública e estando mais próximo dos cidadãos. Com toda a energia!

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