A aposta na mobilidade elétrica é um desafio complexo a vários níveis e com repercussões muito profundas na organização económica, social e principalmente territorial. A motivação principal é a descarbonização, mas, no caso do nosso país, devido à capacidade instalada de produção energética a partir de fontes renováveis e às condições naturais para se aumentar a produção com as mesmas tecnologias, terá certamente impactos também importantes na balança de pagamentos. Poder-se-á diminuir muito a importação de petróleo e deixar de depender de fontes energéticas externas.
Mas nem tudo está a correr bem. Os fabricantes europeus de automóveis tradicionais estão com dificuldade em se adaptar aos novos desafios tecnológicos, pondo em questão o modelo de desenvolvimento da economia europeia. Isto quando se assiste ao surgimento de novas marcas e modelos, especialmente chineses.
As infraestruturas de carregamento não estão preparadas para este boom, assistindo-se a roturas de fornecimento, seja nos veículos privados seja nos operadores de transporte público, sendo o caso mais mediático o dos barcos da Transtejo. A sociedade em geral não está preparada para ter minas como as de exploração de lítio nos seus territórios, porque são altamente poluentes e com risco de contaminação dos aquíferos.
O negócio do governo português com a Mobi-e também foi infeliz e é um obstáculo à adoção rápida de veículos elétricos. Apesar de inicialmente obrigarem a um investimento representativo, estão a tornar-se mais competitivos, o que não acontece com o carregamento dos mesmos que continua com um custo elevado (sem ser doméstico).
E existem novas realidades, equilíbrios e oportunidades. Os territórios onde as pessoas habitam em moradias e podem carregar os automóveis a custo do consumo doméstico de energia estão a tornar-se mais competitivos em relação aos territórios mais urbanos, onde o custo de abastecimento do veículo elétrico tende a ser superior ao custo de abastecimento dos veículos a gasolina ou gasóleo, alterando de forma profunda a atratividade dos territórios. Esta poupança nos custos da mobilidade nas periferias das grandes cidades é muito elevada em relação ao que costumava ser, o que a par dos custos da habitação que dispararam nas grandes cidades, tornam mais competitivas áreas mais periféricas que estavam mais longe dos processos económicos porque são agora mais atrativas.
A diferença de custo da mobilidade elétrica para as soluções de carregamento nas habitações, o custo da habitação nos grandes centros urbanos, a expansão das atividades turísticas que torna alguns territórios mais difíceis de viver, a pedonalização dos centros das cidades, a par do aumento das atividades remotas com a videoconferência, está a levar a uma mudança profunda na organização territorial com o aumento da competitividade dos territórios mais periféricos onde o custo da mobilidade era, outrora, o fator mais penalizante.