Há uma série de expressões usadas no seio do movimento climático que ainda são estranhas para a maioria dos cidadãos: “cidadania energética”, “democracia energética”, “colocar os cidadãos no centro da energia”. Mas afinal, o que significam?
Ao longo dos anos em que fui jornalista, fiz largas dezenas de trabalhos sobre energia e clima: das grandes barragens e da aposta na eólica, às discussões sobre a nuclear, passando pelas cimeiras da ONU e pelo investimento na produção descentralizada em telhados de universidades, empresas e habitações.
Se nos anos de 1990 dominavam as grandes obras e a centralização, a partir dos 2000, quando comecei a acompanhar de perto a área do ambiente e da energia, cresceu a defesa da prioridade à eficiência energética e de um sistema mais descentralizado.
Foi precisamente no ano 2000 que a ADENE foi criada, com o objetivo de promover atividades de interesse público nas áreas da energia, da eficiência energética e hídrica e da mobilidade. Como gestora do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios, a ADENE foi protagonista na sensibilização de cidadãos, empresas e outras entidades para as questões da energia e ouvida em várias reportagens. A transição energética começava a ganhar palco no contexto da mitigação das alterações climáticas.
A urgência de descarbonizar, a eletrificação das sociedades, a aposta na eficiência e a queda do preço dos painéis solares fotovoltaicos aceleraram esta mudança de foco na última década. O regime jurídico criado em 2019 (DL 162/2019) e consolidado em 2022 (DL 15/2022) abriu novas possibilidades: os cidadãos podem produzir eletricidade para si, em conjunto, em autoconsumo coletivo e até em Comunidades de Energia Renovável (CER).
As CER permitem produzir, consumir, armazenar, partilhar e comercializar energia limpa. Reduzem custos e emissões, fortalecem comunidades e podem ajudar a combater a pobreza energética, que afeta entre 1,8 e 3 milhões de pessoas em Portugal.
Devem assumir a forma de pessoa coletiva – associação, cooperativa ou sociedade – com adesão aberta e voluntária. Os membros podem ser cidadãos, pequenas e médias empresas ou autarquias, desde que localizados na proximidade dos projetos.
Parecia o início de um novo ciclo. No entanto, quase seis anos depois, só duas CER estão licenciadas e em funcionamento: em Lisboa (Telheiras/Lumiar) e em Braga.
É urgente desbloquear o caminho: criar um portal único de informação, clarificar aspetos legais, disponibilizar financiamento específico e apoio técnico local, e investir em campanhas que aproximem os cidadãos deste modelo.
A União Europeia já abriu oportunidades, como o Fundo Europeu para as Comunidades de Energia. Cada comunidade pode aceder a 45 mil euros. Em Portugal, a Coopérnico é entidade facilitadora e o primeiro aviso está aberto até 30 de setembro. Mas também o Estado deve simplificar e apoiar de forma consistente.
A transição não é apenas técnica ou económica: é também social. Um sistema energético com cidadãos no centro significa dar-lhes informação, capacitação e incentivos para agir e ganhar autonomia. E garantir que têm poder de decisão e participam nos investimentos públicos em energia renovável descentralizada. O preço não pode ser o único critério em concursos públicos lançados pelos municípios.
Não é sonho nem utopia. É uma realidade em crescimento por toda a Europa: cidadãos em cooperativas ou associações, muitas vezes em parceria com autarquias, a pôr em prática este novo paradigma energético. Projetos sem fins lucrativos, mas com claros benefícios económicos, sociais e ambientais, onde as grandes empresas deixam de ter o monopólio da decisão.
A energia é um bem essencial – e pode ser também um ativo das comunidades locais. Gerado e gerido em conjunto, para o bem comum.