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Como preparar as cidades para a escassez de água: 3 ações essenciais

Patrícia Corigo

Coordenadora de Inovação para a Sustentabilidade, ADENE

22.08.2025

5

min. de leitura

De acordo com o Relatório sobre a Avaliação de Risco Climático de 2024, da Agência Europeia do Ambiente, a escassez hídrica é já um risco climático relevante para a Europa. Nos últimos anos, têm aumentado de forma significativa a frequência e a intensidade de fenómenos como secas prolongadas e severas. No sul da Europa, a falta de água é já um fator crítico. Estas condições, cujo agravamento é cada vez mais provável, comprometem a saúde e o bem-estar, a segurança alimentar, hídrica e energética, os ecossistemas e a economia no seu conjunto. É, portanto, imperativo investir na gestão deste risco, dada a sua capacidade de desencadear crises agudas e impactos socioeconómicos em cadeia.

A mudança de comportamentos é apenas uma parte da solução e, muitas vezes, não tem produzido resultados consistentes. O apelo à preservação dos recursos em prol de gerações futuras perde força perante discursos tranquilizadores que procuram convencer-nos de que o problema não existe e de que as prioridades são outras. Contudo, o problema é real e tem de ser enfrentado com medidas estruturantes, resistentes às oscilações da opinião pública. É necessário redesenhar as cidades, adaptando-as às novas circunstâncias e estruturando-as para a resiliência climática, com uma resposta ativa à escassez de água.

Para enfrentar este desafio, propõem-se três ações-chave:

 

  1. Tornar as cidades inteligentes – Conhecer os consumos para melhor planear e agir

A monitorização digital do ciclo da água é essencial para identificar e corrigir ineficiências (perdas e desperdícios) e gerir de forma adequada as origens de abastecimento. O conhecimento rigoroso dos consumos permite também formular políticas públicas mais ajustadas. Nesse sentido, a Estratégia Água que Une dá especial relevância à digitalização integral do ciclo urbano da água e à monitorização de consumos para uma gestão mais racional, eficiente e inteligente dos recursos hídricos.

Um exemplo concreto é o “Compromisso com a Eficiência Hídrica”, que inclui o “Selo Save Water” para o setor turístico, envolvendo a Região de Turismo do Algarve, o Turismo de Portugal e a ADENE. Esta iniciativa demonstrou o impacto positivo da monitorização digital, reduzindo em 13% os consumos e gerando poupanças financeiras através da melhoria da gestão hídrica dos estabelecimentos. O sucesso do projeto justifica a sua extensão a outras regiões e setores de atividade.

 

  1. Construir cidades eficientes – Promover a eficiência hídrica no ambiente urbano

Nas áreas urbanas, os edifícios concentram grande parte do consumo de água. Promover a eficiência implica dotá-los de sistemas, equipamentos e dispositivos que minimizem o gasto e incentivem a reutilização, sem comprometer a saúde ou o conforto. É, por isso, fundamental que as cidades incorporem, nos seus instrumentos de planeamento, requisitos de construção e reabilitação alinhados com princípios de eficiência hídrica – tal como já acontece no caso da eficiência energética. A energia é, sem dúvida, inspiradora de um caminho que pode ser trilhado para a água, com a aplicação de conceitos de “edifício hidricamente positivo” e “comunidade de água renovável”, análogos aos de “edifício positivo em energia” e de “comunidade de energia renovável”.

Em Portugal, o sistema AQUA+, desenvolvido pela ADENE e reconhecido pela Comissão Europeia na campanha #WaterWiseEU, é uma ferramenta de referência. Permite classificar, valorizar e melhorar o desempenho hídrico dos edifícios de forma simples e rápida, com o apoio de técnicos qualificados pela Academia ADENE. O AQUA+ afirma-se assim como instrumento-chave para promover a eficiência hídrica nas cidades portuguesas.

 

  1. Desenhar cidades inspiradas na natureza – Integrar soluções verdes na regulamentação

A imprevisibilidade climática exige que as cidades adotem um planeamento mais resiliente, incorporando soluções baseadas na natureza. Estas medidas não só respondem diretamente aos desafios da gestão da água, como geram benefícios adicionais para a qualidade de vida e a sustentabilidade ambiental.

A Estratégia Europeia para a Resiliência Hídrica define como prioridade o restauro e a proteção do ciclo da água, promovendo infraestruturas verdes que melhorem a retenção e contribuam para prevenir a poluição. Em Portugal, esta abordagem está presente na Estratégia “Água que Une”, que adota uma perspetiva integrada e equilibrada para proteger ecossistemas e recursos naturais. Também o PENSAARP 2030 defende o equilíbrio entre soluções tradicionais e soluções inspiradas na natureza.

Para concretizar esta visão, o planeamento urbano deve garantir a integração de infraestruturas verdes em novos projetos e obras de reabilitação. Entre os exemplos possíveis estão pavimentos permeáveis, sistemas de rega inteligente, telhados e fachadas verdes, e a renaturalização de áreas impermeabilizadas. Com regulamentos adequados e ferramentas de avaliação como o AQUA+, estas soluções promovem uma gestão integrada e adaptativa, essencial para enfrentar os impactos das alterações climáticas.

 

Conclusão

Construir cidades resilientes à escassez hídrica exige uma ação coordenada que promova inteligência, eficiência e inspiração na natureza, suportada por regulamentação e mecanismos de financiamento eficazes.

A ADENE, através de ferramentas e iniciativas como o AQUA+ e o Compromisso com a Eficiência Hídrica, continuará a trabalhar, com toda a energia, em colaboração com parceiros para transformar as cidades em espaços mais sustentáveis, resilientes e inspiradores – preparados para enfrentar os desafios da escassez de água e das alterações climáticas.

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Sobre o autor

Patrícia Corigo é especialista em matéria de ambiente, energia e economia circular. Tem desenvolvido, coordenado e gerido projetos ambientais nos setores público e privado.

A ADENE é a agência nacional para a energia, com uma missão centrada nas pessoas e a ambição de reforçar o posicionamento de Portugal na descarbonização, é um parceiro ativo da transição energética, fortalecendo parcerias, dinamizando a política pública e estando mais próximo dos cidadãos. Com toda a energia!

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