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A Energia e as Civilizações

Filipe Duarte Santos

Professor Universitário, Universidade de Lisboa

16.05.2023

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Antes da Revolução Neolítica, iniciada no Crescente Fértil do Médio Oriente há cerca de 10000 anos e depois em outras regiões, o homem só tinha acesso à energia muscular ou somática, derivada da conversão da energia química armazenada nas plantas e animais consumidos na sua dieta, e ao fogo que disponibilizava energia térmica. Não se sabe ao certo quando o género Homo começou a usar o fogo, provavelmente há 2 a 1,7 milhões de anos. À medida que a agricultura se tornou mais eficiente e, portanto, capaz de produzir maior quantidade de alimentos, a população cresceu muito e a disponibilidade de energia aumentou consideravelmente. A construção das obras notáveis de grandes Civilizações da Antiguidade, como as pirâmides do Egipto, a Grande Muralha da China, e muitas outras na Ásia e na América Central, exigiram enormes quantidades de energia. Tal só foi possível graças ao grande número de pessoas envolvidas. Note-se que a energia mecânica fornecida por segundo pelo corpo humano quando realiza um esforço acentuado é apenas 100 W. 

Veio depois a extraordinária Renascença que encheu a Europa, e especialmente a Itália, de obras de arte maravilhosas, que acolheu as experiências de Galileo Galilei, o nascimento da ciência moderna e a primeira globalização protagonizada inicialmente pelos navegadores Portugueses. Todos estes avanços civilizacionais deram-se antes da revolução industrial de meados do século XVIII. Para além da energia muscular, a humanidade tinha apenas acesso à energia térmica obtida na queima da madeira e a algum carvão, à energia cinética da água dos rios e ribeiros, que alimenta os moinhos de água, e à energia eólica que movimenta barcos à vela e moinhos de vento. Com a invenção da máquina a vapor por James Watt em 1769, e mais tarde de motores de combustão interna capazes de converter a energia química armazenada nos combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás natural – em energia mecânica, a humanidade entrou na nova era energética dos fósseis, em que o consumo de energia por pessoa aumentou espantosamente, sobretudo nos países industrializados. À escala global o consumo de energia primária aumentou de 20,3 EJ (exajoule = 1018 J) em 1800 para 589,7 EJ em 2021, ou seja, por um fator de 29 devido à acessibilidade dos combustíveis fósseis e a um modelo de crescimento baseado no uso intensivo de energia. Modelo de grande sucesso em termos do aumento da utilidade usufruída (definida e defendida por Jeremy Bentham e John Stuart Mill) ou, por outras palavras, do consumo crescente de bens e serviços por uma população também crescente. Efetivamente as características mais marcantes do período pós-industrial são o crescimento do PIB mundial, que de acordo com o Banco Mundial e o Maddison Data Project, cresceu de 1 bilião (1012) de dólares em 1800, para 126 biliões em 2021 (em dólares internacionais constantes de 2011), e o crescimento da população mundial, que cresceu de 990 milhões em 1800 para 7888 milhões em 2021.

A civilização baseada nos fósseis fez florescer a ciência e a tecnologia, melhorou muito a prosperidade económica e o bem-estar humano médio à escala global, especialmente nos últimos dois séculos, e aumentou as desigualdades entre países e no seu interior. Mas os fósseis têm um efeito colateral perigoso ao provocar uma mudança do clima global que se agrava. É necessário modernizar o modelo energético substituindo os fósseis por energias renováveis e por outras formas de energia descarbonizadas. É uma transição energética muito difícil à escala mundial, mas possível. É uma transição essencial para manter o vigor da nossa civilização, dos valores da solidariedade, da justiça intra e inter-geracional e da capacidade de fazer face aos novos desafios da sustentabilidade. Será possível realizá-la a tempo de evitar impactos muito gravosos, especialmente para os países mais frágeis e vulneráveis à insustentabilidade, num mundo cada vez mais fragmentado em blocos por conflitos e tensões geoestratégicas que se agravam? Temos de ter confiança e trabalhar para a ter. 

 

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Sobre o autor

Filipe Duarte Santos, professor catedrático jubilado da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (UL), é Presidente do Conselho
Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável e Diretor do Programa de Doutoramento em Alterações Climáticas e Políticas
de Desenvolvimento Sustentável – Universidades de Lisboa e Nova de Lisboa. Foi review editor do 5º Relatório do IPCC. Integra o grupo
de investigação Climate Change Impacts, Adaptation and Modeling (CCIAM) do Center for Ecology, Evolution and Environmental
Changes (CE3C) do Laboratório Associado CHANGE. Publicou mais de 160 artigos científicos em revistas internacionais indexadas e vários livros de Física, Alterações Globais e Alterações Climáticas. Os últimos, publicados em 2021, são: Time, Progress, Growth and
Technology. How Humans and the Earth are Responding, Springer e Alterações Climáticas, publicado pela Fundação Francisco Manuel
dos Santos.

A ADENE é a agência nacional para a energia, com uma missão centrada nas pessoas e a ambição de reforçar o posicionamento de Portugal na descarbonização, é um parceiro ativo da transição energética, fortalecendo parcerias, dinamizando a política pública e estando mais próximo dos cidadãos. Com toda a energia!

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