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A Pobreza energética no desafio global de combater a pobreza

Sandra Araújo

Coordenadora, Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030

19.11.2025

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A pobreza é hoje entendida como uma realidade multidimensional, que vai muito além da falta de rendimento. Traduz-se na ausência de acesso a bens e serviços essenciais que garantem qualidade de vida, bem-estar e participação plena na sociedade.
Entre essas dimensões, a pobreza energética assume uma relevância crescente, refletindo as desigualdades no acesso a conforto térmico, equipamentos eficientes e energia a preços comportáveis.

Em Portugal, a pobreza energética é uma realidade que atinge milhares de famílias, não sendo só uma situação exclusiva de famílias em situação de carência económica.  Estima-se que estejam em situação de pobreza energética entre 1,8 a 3 milhões de pessoas, das quais entre 609 mil e 660 mil se encontram em pobreza energética severa. O problema afeta de forma particular os agregados com baixos rendimentos, os idosos e as famílias que habitam edifícios antigos e pouco eficientes.

As causas são relativamente bem conhecidas de todos nós e resultam da combinação de múltiplos fatores, desde logo, os baixos rendimentos de muitos agregados familiares; um parque habitacional envelhecido e com fraca eficiência térmica; o elevado preço da energia (um dos mais altos da União Europeia em proporção ao rendimento médio) e as condições climáticas – invernos frios e verões cada vez mais quentes – que intensificam o problema. Acresce ainda o baixo nível de literacia energética dos consumidores, uma dimensão essencial a considerar nas políticas de combate à pobreza energética.

Perante este contexto, é imperativo que a resposta à pobreza energética seja abrangente e estruturada e se articule com uma estratégia mais ampla de combate à pobreza em todas as suas formas. O acesso à energia é condição indispensável para garantir o exercício efetivo de outros direitos fundamentais, por isso, as políticas públicas devem ser concebidas de forma integrada, articulando áreas como a habitação, a educação e formação, a saúde, o emprego e o rendimento, a proteção social, a eficiência energética e a coesão territorial.

A Estratégia Nacional de Combate à Pobreza (ENCP) 2021-2030, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 184/2021, e cujo primeiro Plano de Ação termina agora em final de 2025, preconiza esta ambição e define metas concretas e mensuráveis a atingir até 2030: a redução do número de pessoas em risco de pobreza e exclusão social em pelo menos 765 mil até 2030, com especial atenção às crianças e às famílias trabalhadoras de baixos rendimentos, mas também a redução da disparidade da taxa de pobreza nos diferentes territórios, assegurando que todas as regiões avançam no mesmo sentido, diminuindo as desigualdades e assimetrias regionais e promovendo uma coesão social e territorial efetiva.

No quadro da ENCP, o acesso à energia é entendido como um elemento central para a promoção de condições de vida digna e para a redução das desigualdades sociais. Embora não esteja formalmente consagrado como um direito fundamental autónomo, reconhece-se que a energia é indispensável para assegurar conforto térmico, segurança, saúde e acesso a serviços essenciais, constituindo um pré-requisito para o exercício efetivo de diversos direitos fundamentais, como a habitação adequada, a educação, a participação social e a inclusão digital.

Neste sentido, a ENCP enfatiza a importância de garantir que todos os cidadãos, em particular os mais vulneráveis, possam aceder a serviços energéticos de forma contínua, segura e economicamente sustentável. Este reconhecimento reforça o papel das políticas públicas no combate à pobreza energética, articulando medidas de eficiência, apoio social e proteção do consumidor, em alinhamento com os compromissos nacionais e europeus em matéria de justiça social e transição energética.

A transição energética só será verdadeiramente justa se integrar, desde a sua conceção, mecanismos de proteção e inclusão social que garantam acesso universal a energia segura, limpa e economicamente acessível, favorecendo uma distribuição equitativa dos seus benefícios e contribuindo para o combate efetivo à pobreza.

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Sobre o autor

Sandra Araújo é licenciada em Serviço Social pelo Instituto de Serviço Social do Porto (1992), com uma Pós-Graduação em Gestão de Organizações Sem Fins Lucrativos pela Universidade Católica (2007). É, desde novembro de 2022, Coordenadora da Estratégia Nacional de Combate à Pobreza 2021-2030 e membro da Comissão Estratégica do Observatório Nacional da Pobreza Energética.

Iniciou a sua carreira técnica em 1992 no Projeto de Luta Contra a Pobreza, no Centro Histórico de Gaia. Entre 1994 e 1998 exerceu funções técnicas na EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza, da qual foi Coordenadora nacional entre 1999 e 2006. Entre 2006 e 2022 exerceu o cargo de Diretora Executiva da Instituição.
É autora e coautora de diversas publicações e artigos e participou em inúmeras conferências a nível local, nacional e internacional.

A ADENE é a agência nacional para a energia, com uma missão centrada nas pessoas e a ambição de reforçar o posicionamento de Portugal na descarbonização, é um parceiro ativo da transição energética, fortalecendo parcerias, dinamizando a política pública e estando mais próximo dos cidadãos. Com toda a energia!

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