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3 Perguntas a... Carlos Moedas

Carlos Moedas

Presidente, Câmara Municipal de Lisboa

06.11.2024

5

min. de leitura

1. Lisboa trabalha continuamente o futuro da sua política climática no quadro de redes internacionais, como são exemplo o Pacto de Autarcas para o Clima e Energia, a Missão Cidades e o C40 Cities. Que importância tem para a eficácia da ação climática no município a participação nestas redes?

É essencial que as cidades se tornem protagonistas na resposta aos novos desafios ambientais, muitos dos quais serão potenciados pelas alterações climáticas, dando o contributo local para a convergência das metas do Acordo Climático de Paris, do Pacto Ecológico Europeu e da “Missão 100 Cidades com impacto neutro no clima e inteligentes até 2030”.

Sabemos que as mudanças climáticas, sendo um problema global, têm impactos locais, pelo que devem ser trabalhadas a nível local, com as comunidades, com as pessoas. E é isso que estamos a fazer em Lisboa, tendo dedicado o primeiro Conselho de Cidadãos ao tema da Ação Climática, logo em 2022.

Mas os problemas complexos vivenciados nas cidades precisam de soluções criativas e inovadoras e precisam, nestes temas, de incorporar o conhecimento global. Neste contexto, este Executivo sempre deu a máxima prioridade à integração de Lisboa nos principais movimentos globais desta área e a desenvolver projetos europeus de I&D com outras cidades. São exemplos desta participação o ICLEI, a Eurocities, a Energy Cities, o Pacto de Autarcas para o Clima e Energia e, desde 2022, a Rede das Cidades Missão Climaticamente Neutras e Inteligentes até 2030.

Em Lisboa, dia a dia, fazemos uma gestão local e orientada à resolução dos problemas concretos das pessoas, alinhados com o conhecimento global.

 

2. Sendo um membro ativo do Pacto dos Autarcas para o Clima e Energia, com experiência e boas práticas acumuladas na ação climática local, como é que o Município de Lisboa pode apoiar e inspirar a ação noutros municípios de menor dimensão?

Como referi, Lisboa foi selecionada em 2022 como uma das “100 Cidades Missão” para se tornar climaticamente neutra e inteligente até 2030, um ambicioso compromisso que traduz o nosso empenho na dupla transição climática e digital.

Para tal, Lisboa pretende assumir-se como um centro de experimentação e inovação no domínio da ação climática, que possa depois ser replicada noutras cidades portuguesas e europeias, posicionando-se na vanguarda da transição energética e adaptação climática.

Esta liderança na ação climática local está a ser concretizada através de várias medidas e projetos concretos com elevado potencial transformativo.

Destaco a esse propósito a rega dos nossos parques e jardins com Água para Reutilização (ApR), proveniente da ETAR de Beirolas, tendo Lisboa sido a primeira cidade do país a obter a primeira Licença de Utilização em contexto urbano. Estamos, assim, a adequar a fonte ao uso final e a poupar energia no transporte de água potável de Castelo de Bode até Lisboa.

Mas Lisboa foi também inovadora na introdução de transportes públicos gratuitos para jovens até aos 23 anos e para seniores acima dos 65, pois o setor dos transportes é o que mais energia consome e emite Gases com Efeito de Estufa em Lisboa.

Esta é uma importante medida para descarbonização da cidade, mas também social. No caso dos idosos com mais de 65 anos, estamos a falar de um universo de 140.000 pessoas que já podem usar os transportes públicos gratuitamente e sair de casa mais vezes, para visitar a cidade, para estar com amigos e familiares, atenuando o isolamento a que muitas vezes esta faixa da população está sujeita.

No caso dos jovens, trata-se também de ir ao encontro das suas necessidades de mobilidade de uma forma mais atraente, potenciando o uso dos transportes públicos.

Com esta medida, Lisboa tem hoje mais de 105 000 cidadãos a usar gratuitamente os transportes públicos, tendo aumentado a procura do Passe Navegante em 50%.

Saliento também o aproveitamento do potencial solar de Lisboa, promovendo a utilização da plataforma Solis e os objetivos para a disseminação de unidades de produção para autoconsumo coletivo no parque de edifícios e de equipamentos, para satisfazer as necessidades energéticas, a par da instalação de centrais fotovoltaicas e da adoção de soluções e de elevada eficiência energética em edifícios, equipamentos, frota e serviços municipais, que reduzam os consumos de energia e a fatura energética.

Acrescentaria os planos de intervenção em curso na Rede de Iluminação Pública, cujo consumo representa mais de 68% da fatura municipal de eletricidade, com soluções de telegestão, regulação de fluxo e LEDs, que mantenham a potência luminosa e a qualidade da iluminação, associando-lhe uma plataforma smart-cities que permita a monitorização de parâmetros ambientais.

São, portanto, projetos transformadores com elevado potencial de replicação noutras cidades.

 

3. Como é que o município de Lisboa está a integrar a dimensão da pobreza energética nos seus planos e estratégias, sendo que esta dimensão vai para além da vulnerabilidade socioeconómica?

Lisboa desenvolveu um estudo para conhecer a vulnerabilidade à pobreza energética, no inverno e no verão.

Hoje conhecemos quais são os bairros da cidade mais vulneráveis à pobreza energética e onde é necessário melhorar o desempenho térmico dos edifícios e disponibilizar tarifas sociais para acesso à energia.

Por isso, a mitigação da pobreza energética é um dos objetivos centrais do Contrato Climático da Cidade de Lisboa 2030, contemplando medidas ao nível da reabilitação de edifícios e da construção de novos edifícios nZeb:

Garantir uma transição energética justa e inclusiva, combatendo desigualdades e atenuando a pobreza energética.”

Já procedemos à melhoria da eficiência energética em 1.762 fogos e construímos 20 novos edifícios nZeb, com 238 fogos classe energética A. Estamos, assim, a garantir que muitas famílias tenham acesso a conforto térmico nas suas habitações. E todos os novos edifícios de habitação em construção ao abrigo do PRR são nZeb.

Mas a nossa abordagem não fica por aqui. Estão em marcha a criação de Autoconsumos Coletivos e Comunidades de Energia Renovável, em que parte da energia elétrica produzida beneficiará bairros de habitação social.

Saliento ainda a Loja da Energia, que integrará a rede Espaço Energia e que terá um enfoque particular na mitigação da pobreza energética, bem como a criação de um novo Fundo Climático de âmbito municipal, que permita materializar uma transição justa, designadamente através da universalidade no acesso e da complementaridade com outros mecanismos financeiros disponíveis.

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Sobre o entrevistado

Nasceu em Beja em 1970. É licenciado em Engenharia Civil pelo Instituto Superior Técnico. Frequentou a École Nationale des Ponts et Chaussées de Paris. Em 1998 foi para os E.U.A onde ingressou na Universidade de Harvard e obteve um Master in Business Administration.

Começou a sua carreira como engenheiro no grupo Suez em França, trabalhou vários anos na City em Londres e criou a sua empresa em Portugal.

Em 2011 foi eleito deputado pelo círculo de Beja e tornou-se Secretário de Estado Adjunto do Primeiro-Ministro do XIX Governo Constitucional com responsabilidade pela coordenação do Programa de Ajustamento.

Em 2014, tornou-se o quinto português a exercer o cargo de comissário europeu, tendo gerido o maior fundo de ciência e inovação do mundo no valor de 80 mil milhões de euros. Foi o arquiteto do atual programa de inovação e ciência Horizonte Europa de 100 mil milhões de euros.

Em 2019 entrou como Administrador da Fundação Calouste Gulbenkian. É também Vice- Presidente do Instituto Jacques Delors em Paris.

Em março 2021 decidiu lançar a sua candidatura à Câmara Municipal criando a coligação Novos Tempos. Foi eleito Presidente da Câmara Municipal de Lisboa a 26 de setembro de 2021.

Em 2014 foi eleito o mais jovem membro da Academia de Engenharia de Portugal. É também membro honorário da Academia de Ciência Africana. Recebeu vários doutoramentos honoris causa (Universidade de Cork na Irlanda, ESCP Europe – École Supérieure de Commerce de Paris, Uni\/ersidade Nova de Lisboa, Universidade West Timisoara na Romênia). Em 2019 recebeu a medalha de Ouro da Ordem dos Engenheiros e em 2020 foi Prémio do ano da Universidade de Coimbra. Em 2023 foi condecorado pelo Papa Francisco com a Ordem Honorifica de Cavaleiro da Ordem de São Silvestre e pelo Presidente da República com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

A ADENE é a agência nacional para a energia, com uma missão centrada nas pessoas e a ambição de reforçar o posicionamento de Portugal na descarbonização, é um parceiro ativo da transição energética, fortalecendo parcerias, dinamizando a política pública e estando mais próximo dos cidadãos. Com toda a energia!

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